"A partir dos anos 60, o terrorismo
de esquerda recrudesceu assustadoramente no mundo inteiro. Surgiram
vários grupos dispostos a matar e a roubar em nome da ideologia
marxista-leninista e seus derivados. Alguns deles eram discretamente
apoiados e financiados pelos partidos comunistas locais; outros
afirmavam mesmo serem órgãos de acção directa desses partidos. De
Lisboa a Berlim, de Bruxelas a Chicago, iniciou-se uma nova era de
terror no combate ao Estado. O Baader-Meinhof Gang, as Brigadas
Vermelhas, os Weathermen, são exemplos conhecidos de organizações
terroristas de esquerda.
Portugal não passou incólume
pela vaga terrorista. Para além dos movimentos de libertação em África,
o terror vermelho deu que fazer à polícia política na metrópole. Em
Março de 1961, Álvaro Cunhal é eleito secretário-geral do Partido
Comunista. É sob a sua direcção que o Comité Central decide abandonar a
estratégia legalista adoptada anteriormente e recorrer a métodos
terroristas para derrubar o Estado Novo. Primeiramente, intensificando
os apoios aos movimentos de guerrilha em África; depois, criando e
dirigindo na metrópole organizações terroristas. Todavia, os comunistas
não foram os primeiros a enveredar por essa via. No primeiro trimestre
de 1964, é fundada a Frente de Acção Popular (FAP). Os seus
dirigentes, entre os quais se destacava Francisco Martins Rodrigues,
eram antigos militantes e dirigentes do Partido Comunista.
Contestatários do regime soviético, haviam saído ou sido expulsos do PCP
por defenderem abertamente a aproximação ao modelo maoísta.
Em
1967 foi fundada a LUAR, acrónimo de Liga de Unidade e Acção
Revolucionária, organização que propunha a realização de acções de
guerrilha contra o regime. Com maior dose de realismo e perscrutando as
necessidades financeiras da organização, os revolucionários da LUAR,
dirigidos por Hermínio da Palma Inácio, decidiram começar a sua luta
assaltando a delegação do Banco de Portugal na Figueira da Foz. Era
menos arriscado e mais rendoso. Depois, sempre muito atentos às
exigências financeiras de tão insigne guerrilha, especializaram-se em
roubar os emigrantes portugueses no Luxemburgo. Foram seus dirigentes,
para além de Palma Inácio, os senhores José Augusto Seabra, Fernando
Echevarria e Emídio Guerreiro, que depois seria secretário-geral do PPD.
Palma
Inácio, antigo mecânico da aeronáutica civil, foi preso em 1973 e
encontrava-se em Caxias quando se deu o 25 de Abril, sendo libertado
dois dias depois. Os seus libertadores consideravam-no um preso
político, um combativo lutador antifascista -
as acções terroristas são
sempre legítimas quando feitas em nome da democracia. Palma lnácio
tomou-se então militante destacado do Partido Socialista.
A
Acção Revolucionária Armada (ARA) foi criada em Setembro de 1970 como
organização subsidiária do PCP. Inicia as suas actividades terroristas
no mês seguinte com um atentado à bomba contra o navio Cunene, fundeado
no porto de Lisboa. Em Novembro, realiza uma tripla acção através da
colocação de bombas na Escola Técnica da DGS, em Benfica; no Centro
Cultural da embaixada dos Estados Unidos, na rua Gomes Freire; e nos
armazéns do Cais da Fundição, em Santa Apolónia. A benemérita operação
provoca um morto e quatro feridos. Quatro meses depois, a ARA ataca à
bomba a Base Aérea de Tancos, destruindo aviões e helicópteros
militares. Entre Junho de 1971 e Agosto de 1972, leva a cabo outras
acções terroristas. Em consequência da detenção de vários membros da
organização pela DGS, a ARA suspende as suas actividades em 1973. Os
seus operacionais mais activos eram Jaime Serra, Francisco Miguel,
Carlos Coutinho e Raimundo Narciso, actualmente deputado à Assembleia da
República pelo PS.
Também em 1970 foram fundadas por
Carlos Carneiro Antunes as Brigadas Revolucionárias (BR), na sequência
da ruptura definitiva entre a Frente Patriótica de Libertação Nacional e
o PCP. Organizadas em células semi-autónomas, financiaram-se através
de assaltos a bancos, tanto em Portugal como em França. A sua acção
principal foi um atentado à bomba contra as instalações da NATO no
Pinhal do Arneiro, em Setúbal, a 7 de Novembro de 1971.
A
partir de 1973, as BR passaram a actuar como braço armado do Partido
Revolucionário do Proletariado. Alguns dos seus membros foram detidos
pela DGS em 1973, o que não impediu que a organização continuasse a
desenvolver as suas actividades.
Após o 25 de Abril, sob a
direcção de Carlos Antunes e Isabel do Carmo, médica nutricionista que
ainda hoje continua por aí a tratar da saúde aos portugueses, as BR
actuaram como uma verdadeira milícia da extrema-esquerda. A 24 de
Outubro de 1975, por serem obrigadas a entregar as armas, passaram à
clandestinidade. O novo regime considerou-as uma manifestação de
banditismo e entregou o caso à Polícia Judiciária, que prendeu os
brigadistas. Por acórdão lido no 3º Juízo Criminal da Boa Hora, a 9 de
Abril de 1980, Carlos Antunes foi condenado a 15 anos de prisão e
Isabel do Carmo a 11 anos. Para além destas penas, os réus foram
condenados a pagar indemnizações às instituições bancárias assaltadas,
num montante de aproximadamente cento e cinquenta mil contos. Ouviram a
sentença visivelmente contrariados, os olhos no chão, cravos vermelhos
ao peito. Poucos dias depois, o julgamento foi anulado. Os dois foram
libertados. Quatro membros das BR colaboraram mais tarde com as Forças
Populares 25 de Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho.
Nos
nossos dias, o terrorismo de esquerda é sempre apresentado pela
comunicação social(ista) como uma obra assaz benemérita, de grande
alcance humanitário, meia dúzia de homens armados e municiados prontos a
matar e a morrer para salvação de todos nós; já o terrorismo de
direita (ou sobretudo o que é impropriamente classificado como tal), é
visto como uma acção criminosa e atrabiliária, bandos de energúmenos
armados até aos dentes para matar a torto e a direito. É um sinal dos
tempos.
Quando o Conselho de Administração dos
CTT convida o ex-operacional da ARA Jaime Serra para a inauguração de
uma nova estação de correios no edifício que o bravo combatente
antifascista destruíra à bomba vinte e sete anos antes, condensam-se em
acto oficial todas as virtudes democráticas.
Quando se vêem os
responsáveis por actos terroristas que causaram mortes serem bajulados
na televisão por jornalistas apreciados, percebe-se a importância da
imprensa livre e pluralista.
Os
terroristas de esquerda mataram em nome da liberdade e da democracia?
Isso é bom. Os polícias prenderam-nos em defesa da segurança do Estado
Novo? Isso é crime hediondo a exigir severa punição. E deste raciocínio
parte-se de modo generalizado para todo o universo político e social.
Vivíamos num regime antidemocrático; vivemos num regime democrático.
Isto quer dizer que estamos melhor. Há desempregados, marginalizados,
drogados, esfomeados, desalojados e desnorteados? Não têm que se
lamentar, tanto que se podem queixar sem censura à imprensa e dar dois
berros de protesto às portas dos ministérios. Vivem em democracia. Que
mais querem eles? ? que é preciso é votar, e referendar, e dialogar, e
aceitar como factos inelutavels tudo o que de mal ocorre. Morrer em
África num regime autoritário é uma coisa; morrer na Bósnia em
democracia é outra ... O que é bom é mau quando o regime é autoritário; o
que é mau é bom quando é livremente sufragado pelo povoléu. Um
democrata ladrão é sempre melhor do que um autocrata honrado.
Este
sistema mecânico de pensamento, que tende a aceitar sem reservas tudo o
que emanar da pretensa soberania do povinho, preocupa-se mais com a
questão teórica da legitimidade do poder do que com os efeitos práticos
da governação. Não vislumbra, por isso, que o Estado é uma categoria
histórica. Quaisquer que sejam as formas da sua legitimação, é sempre
Estado.
Não abdica do monopólio da produção jurídica nem abre mão do monopólio da força. Qualquer Estado moderno é totalitário.
Tendo
o monopólio legal da violência, como dizia Max Weber, o Estado
exercita muitas vezes essa prerrogativa para alcançar fins políticos e
sociais. Assim como a bondade de Deus não poderia ser louvada se não
existisse a malvadez do Diabo, também o zelo do Estado não pode ser
apreciado se não houver um monstro terrorista, que funciona como uma
verdadeira arma do sistema. Em Itália, nos esconderijos das Brigadas
Vermelhas, encontraram-se documentos confidenciais, provenientes de
organismos policiais, comissariados e até de ministérios, os quais
estranhamente nunca haviam sido tomados de assalto pelos terroristas.
Em Espanha, o escândalo protagonizado pelo sI. Roldán, ex-director da
Guardia Civil, pôs a nú as intimidades entre esta polícia e a ETA,
cujos militantes conheciam os movimentos da Guardia e da Polícia
Nacional.
Perante uma onda de crime avassaladora sempre
apresentada como o mal absoluto, todos os outros males são relegados
para um plano secundário: os problemas da educação, da saúde, da
habitação, da justiça, são esquecidos. Logo de seguida, o Estado
arroga-se o direito de se intrometer na própria vida privada dos
cidadãos. Em 1984, a famosa Lei da Segurança Interna só não foi
aprovada no parlamento português porque, poucos dias antes da votação,
os operacionais da DINFO desmantelaram o aparelho das FP-25 de Abril.
Finalmente,
uma outra razão de peso justifica o terrorismo estadual: as acções
cometidas sobre a população indefesa podem ser imputadas aos inimigos do
sistema (o poder necessita de assinalar um inimigo, como
ensinou Carl Schmitt). O exemplo de Stefano delle Chiaie pode aqui ser
chamado à colação. Fundador da Avanguardia Nazionale, organização
nacionalista italiana de luta contra o regime, delle Chiaie foi acusado
de quase todos os atentados perpetrados em Itália desde o final dos
anos 60, como o da Piazza Fontana e o da estação de Bolonha. Conheceu
primeiro o exílio e depois as penitenciárias do sistema. A Avanguardia
foi ilegalizada. Mais tarde, delle Chiaie foi absolvido. Sem que nada
ficasse provado até hoje, as suspeitas recaíram sobre o SID, um
departamento de serviços secretos do Es
tado. "
Bruno Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, Nova Arrancada
A verdade vai pois muito além do que é simplesmente divulgada frequentemente. A título de exemplo, Otelo Saraiva de Carvalho e
steve ligado à morte de 17 inocentes e ainda reclamou quando foi promovido a coronel em 2009! Porque é que nos primeiros dias da revolução de Abril uma das prioridades do PCP foi enviar os ficheiros da sede da PIDE para Moscovo para que não fossem tornados públicos?Seriam o maior trunfo ideológico para a esquerda pois iriam revelar toda a dimensão opressora do Estado Novo propagandeada até hoje. A resposta estará na possível diferença da propaganda e da realidade, da propaganda comunista sobre os seus líderes e os motivos reais pelo qual estariam presos e não só por serem "anti-regime". Em vez de tantos horrores descrevia tanta verdade de tanta gente que fez carreira política e social
pós-25 de Abril à custa do rótulo de combatente pela liberdade (e preso por isso) e que ficaram a ganhar pensões para o resto da vida, muitos dos quais fizeram carreira política até há pouco tempo e que tiveram relação com a corrupção vigente nestas décadas e influência em muitos dos problemas contemporâneos do país.
Podemos também reflectir sobre o que diria o ficheiro da PIDE sobre Álvaro Cunhal, a ligação do bando de Argel na morte do
Humberto Delgado, da fuga de peniche
ou de Jacques Valente, preso por homicídio mas que após o 25 de Abril
foi colocado a interrogar os funcionários da PIDE em Caxias. Ou reflectir sobre as
milhares de pessoas inocentes que foram presas logo após a revolução e
torturadas numa caça às Bruxas e que nunca são recordadas!
A verdade por vezes é muito inconveniente e a propaganda alimentada a muito custo, conforme vemos diariamente in extremis na política internacional. Hoje revogo a minha crença na liberdade e valores democráticos mas baseados na justiça, equidade, igualdade e transparência! Recordo os que foram abandonados em África, as mortes e a tortura esquecida e abafada de todos os inocentes na luta pela liberdade e após a revolução, em Portugal e também na guerra nas ex-colónias, em muitos aspectos legítima contra milícias armadas e apoiadas (algumas canibais) pela URSS,EUA e a própria esquerda portuguesa.